domingo, 22 de agosto de 2010

Feridas na alma...

(foto: Yvette Moura)

Elas são a alma do mundo. Quem fere uma mãe, fere a vida em sua mais pura essência. Elas geram a criatura humana, alimentam-na, dirigem-na, educam-na. E com o amor inesgotável que sabem tirar de dentro de si mesmas, muitas acolhem as vidas de outras vidas, como se fossem suas, e reconstroem o ciclo do amor no coração de quem já foi abandonado uma vez.

De tudo o que mais me incomoda com relação à violência – que brota dos escombros da sociedade e ganha corpo pelas mãos dos homens –, não há coisa que mais magoe do que as lágrimas de uma mãe ante o assassinato de um filho. Se despedir-se do seu rebento em condições naturais já é, por si só, doloroso para uma mãe, imagina quando isso acontece assim, de uma hora para a outra, por um motivo banal.

Aliás, para uma mãe, não existirá jamais um motivo plausível para a morte de um filho. Principalmente se ele era ordeiro, de boa índole, bom comportamento… Mas perder um filho prematuramente, e por causa da maldade alheia, é uma dor tão grande que talvez não se esgote jamais de um coração materno.

Olhar perdido, uma aflição sem consolo, que o cenho franzido denuncia – os braços enlaçando os tênis e o boné do filho querido, como se fossem objetos de grande valor –, a mãe de Diego não sabe o que fazer agora da sua vida. “É entregar a Deus…”.

Antes de nos receber na frente da sua casa, Erotilde foi impedida pelas vizinhas de sair numa caminhada sem destino, que pretendia realizar. “Eu só queria sair por aí”, justifica-se, como quem busca sossego no nada. Ainda se pudesse fugir…

Fala o tempo todo, gesticula com as mãos, aponta o local da chacina, anda de um lado para o outro sem paz. Abraçada aos pertences do filho, ela só queria arrancar a dor atroz que lhe fere o peito…

Trancada dentro de casa, a outra mãe está com medo. Teme pela própria vida e pela integridade física do resto da família. Para não ser ferida de novo, além do que já lhe arrancaram, ela ataca. Esbraveja e grita para quem se aproxime e ouse lhe fazer as perguntas que ela própria já fez, mas não encontrou respostas. Como explicar a maldade humana? Como entender a crueldade com que trataram as crianças? Como conviver com criaturas cruéis, que mutilam e amordaçam sem qualquer punição? “Melhor deixar para lá…”. Já que não é possível guardá-las de volta no ventre…

Isolada, semblante fechado e triste, a terceira mulher trancou-se em casa e não quer ver ninguém. Como um bicho ferido, ela está acuada num canto da sala e se nega a falar sobre o que aconteceu. Por enquanto, tudo machuca, tudo incomoda, tudo dói…

Já a vizinha do lado saiu logo cedo: foi em busca dos seus direitos. Sabe que nada trará o seu filho de volta, tampouco sanará a dor que está sentindo, mas procurar as autoridades, clamar por justiça, além de ocupar a mente, preenche as horas do seu dia e dá-lhe a impressão de estar lutando por seu filho. Preferia se ocupar com as suas peraltices; ralhar com as travessuras dele… Mas, o que se há de fazer?

Como essas mulheres, cuja dor eu pintei, aqui, com as pinceladas do drama, muitas constroem a sua história no anonimato, e choram pelos rebentos que foram tragados pela violência sem que ninguém as escute. Se, para elas, não vigora a justiça dos homens, certamente funcionará a Lei do Retorno…

Mas a mãe de Diego e as dos outros meninos que foram mortos na chacina do Conjunto Cidade Sorriso I, no último final de semana, precisam de respostas. O que o Estado pode fazer por elas? O que efetivamente será feito? Esse caso não pode ser mais um que ficará impune. É acintoso demais.

Não se mata crianças por catarem madeira na mata a pedido da mãe. Os culpados devem ser descobertos e a justiça precisa ser feita, sem isenção, para que se volte a acreditar nela. E então, qual será o próximo passo?

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