terça-feira, 16 de novembro de 2010

No rastro de Gentileza


Talvez fosse a hora, e isso fizesse toda diferença. Ao contrário do que publiquei aqui na semana passada, o ambiente pareceu-me bem mais leve àquela altura da manhã. Mais receptivos, os semblantes eram mais amistosos e pareciam mais relaxados também, permitindo até um cumprimento aos que iam chegando e uma animada conversa entre um grupo de senhoras, que pareciam se encontrar ali com certa freqüência.


Apesar de estar atrasada para o compromisso matinal, a jovialidade das “vizinhas de ponto” era contagiante, suavizando-me as preocupações. Afinal, um sorriso sincero tem poder restaurador...


Já passava um pouco das oito horas quando o ônibus parou ruidosamente à nossa frente e entramos: as duas amigas, que palestravam alegremente, e eu. Observei que elas cultivavam o mesmo hábito que tenho de dar bom dia ao motorista do ônibus assim que alcanço o corredor.


Não vejo isso entre os jovens de hoje em dia, o que me parece, de certa forma, preocupante. A falta de respeito denuncia ausência de educação doméstica. A inexistência de alguém que, assumindo o papel de educador, gaste algum tempo orientando o seu “futuro cidadão” a se comportar em sociedade.


Tudo isso, a partir de pequenas lições básicas no campo da ética e da moral: o que é do outro não nos pertence; pediu, “por favor!”, recebeu, “obrigado!”; respeito é bom e todo mundo gosta; ao chegar, “bom dia!”, ao sair “até logo!”; e por aí vai...


Essa lacuna tem propiciado o desrespeito aos mais velhos, aos professores, aos animais, ao meio ambiente, e até mesmo aos próprios genitores e familiares, que, mesmo não tendo investido com mais rigor na educação básica de seus rebentos, irão se ressentir da ausência dela mais na frente.


Enquanto miúdas, as crianças são engraçadas com as suas tiradas rápidas e a repetição de expressões adultas, que costumam copiar. Quando crescem, ficam chatas e inconvenientes; isso, quando não se entregam à delinquência, às drogas, ao vandalismo.


- Sua vaca! Disse a filha de uma colega minha, outro dia, escandalizando a mãe com o tratamento desrespeitoso e agressivo. Ao repreender a menina, minha amiga escutou o que não havia percebido até então.


- Você não me chama de “vaquinha”, quando está com raiva! Mãe de vaquinha é “vaca”.


Os apelidos são inúmeros e as expressões grotescas também, que saem da boca de muitos pais quando estão enraivecidos e se permitem jogar nos filhos toda carga de frustração e irritabilidade que carregam por dentro. As seqüelas também são inúmeras, embora só sejam conhecidas com a chegada da adolescência ou na maturidade.


A educação ultrapassa o compromisso dos bancos escolares, que devem contribuir para o conhecimento e a cultura do estudante. Mas a formação do caráter ainda é tarefa do lar, como célula formadora da sociedade. Como afirma Joanna de Angelis, em Convites da Vida, a educação está em todos os campos da vida, “fazendo que todos nos transformemos em educadores, vinculados, sem dúvida, àqueles que se nos transformam em seguidores, conscientes ou não”.


As pequenas afabilidades, a doçura, a delicadeza, são recursos sempre valiosos nas relações socioafetivas, e a humanidade nunca esteve tão carente dessas manifestações. Pois, como bradou João Datrino, nas décadas de 60, 70 e 80, pelas ruas, viadutos e pontos estratégicos da cidade do Rio de Janeiro, “gentileza gera gentileza”.


Missionário para uns, perturbado para outros, o Profeta Gentileza dedicou os últimos anos da sua existência a conclamar as pessoas a serem mais amorosas umas com as outras. Ao ser chamado de louco, respondia sem titubear: “sou maluco para te amar e louco para te salvar”.


Lendas e mitos à parte, fica a mensagem enobrecedora e o convite sempre oportuno para que o homem não tema o homem, mas conquiste-o, abrace-o e se irmane com ele.

Um comentário:

Anônimo disse...

Moka,

Eu costumava ficar constrangida quando entrava num determinado recinto repleto de pessoas - como uma sala de espera de um consultório, um laboratório ou outro qualquer - dava um sonoro "bom dia" e ninguém respondia.
Isso continua acontecendo com frequencia, e eu observo que não são só as pessoas jovens. É gente de toda idade e, por onde eu ando, pessoas do mesmo nível social e cultural do meu - e até muitas mais "chiques". rs.
Acontece até de se dar um bom dia e algumas pessoas olharem de cara feia... Fazer o quê? Não fico mais constrangida, a falta de educação não é minha e não vale a pena você sentir a vergonha alheia. Da minha parte, continuo dando meus bons dias, boas tardes e boas noites mesmo que seja ao vento. Algumas vezes uma ou outra pessoa responde. Tá bom, né?
Também costumo fazer gentilezas no trânsito - até quando uma pessoa está em situação difícil por estar fazendo algo errado. Na maioria das vezes, a pessoa não se dá ao trabalho nem de dar um leve toque na buzina para agradecer. Porém, continuo achando que vale a pena. Ainda mais agora, depois de ler seu texto.
bjos,
S.