quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Em rítmo de carnaval

(Carnaval - João Werner)

Era sábado de Zé Pereira e eu fora escalada para fazer a cobertura fotográfica do evento preparado para os poucos foliões da cidade que não quiseram (ou não puderam) demandar as praias do Estado, com mais tradição em folia carnavalesca, quando acompanhei um moderno drama Sheakspeariano.

Entediada, num canto do camarote ocupado por autoridades emergentes desconhecidas, esperava começar o desfile das duas únicas escolas de samba que iriam se apresentar naquela noite (já com duas horas de atraso), quando divisei no meio da turba um grupo de jovens que se destacavam, em alegria e molejo, ao som do pagode, cada um com a beleza e o brilho que lhe era próprio.

Um casal, no entanto, me chamou especial atenção. Ele, com tom de pele mais escuro, era um tipo alto, forte, charmoso e muito bonito, que se destacava dos demais. Ela, pequena, tipo “mingnom”, tinha um corpo generoso nas formas – com carnes firmes e bem torneadas –, cabelos cachados e compridos, também chamava a atenção de quem a visse dançar, mesmo usando roupa discreta para a ocasião: uma blusinha vermelha, de lycra, com uma calça jeans de cintura baixa e uma sandalinha sem salto.

A moça, que chamarei Daiane, parecia gostar do rapaz, pois não saia do seu lado enquanto dançavam – todos soltos – em um pequeno círculo. Mas não dava sinais mais evidentes do que umas rápidas olhadas, embora estivesse, visivelmente, atenta aos movimentos do companheiro.

Já ele, que nomearei de Toni, raramente a olhava nos olhos. Mirava-a sempre do alto, ou, furtivamente, pelo canto do olho, como se não conseguisse encará-la de frente. Travava diálogos curtos, fitando sempre a linha do horizonte. E só então quando outro a pegava para dançar, ele a puxava rapidamente para si, trocava alguns passos com ela e voltava a largá-la.

Até o fim do desfile, eu não pude definir os reais sentimentos de Toni por Daiane, pois ficaram nesse chove-e-não-molha a noite toda. Até mesmo quando deram um show de afinidade e sintonia – dançando bem juntinhos o clássico Brasileirinho, de Waldir Azevedo e Pereira Costa, em ritmo de pagode –, parecia haver algum entrave entre eles, que eu não conseguia entrever.

Só sei que foi tanta a minha torcida que, ao final do desfile da segunda e última escola (por volta da meia noite), o casal saiu dançando lado a lado, dedos entrelaçados, acompanhando o samba-enredo da agremiação.

Num dado instante, passando pela mesma linha espacial em que me encontrava (já na avenida, pegando alguns closes), os nossos olhos se encontraram – os de Daiane e os meus – num certo clima de cumplicidade. E era como se ela soubesse que eu os havia observado o tempo todo e estivera torcendo por um final feliz...

Lançou-me um sorriso “Monalisa” e se foi, acompanhando o rapaz. Mas antes de tirar os seus olhos dos meus, parecia segredar que também estivera me observando naquela noite, numa espécie de solidariedade feminina. Mas os seus olhos, brilhantes e enigmáticos, pareciam querer me dizer algo mais...

Talvez sinalizasse para a fugacidade dos sentimentos humanos, nessa época do ano, e sabiamente me alertasse para não ficar frustrada caso aquela história terminasse ali mesmo, na primeira noite do Carnaval de 2007, ou não durasse mais do que os quatro dias de festa momesca.

“Porque toda história de amor dura o tempo necessário para se tornar imortal”, disseram os olhos de Daiane, no ínfimo instante em que me colocaram em foco, faiscando uma sabedoria milenar. E nos despedimos sem nenhuma palavra, até o próximo carnaval, talvez...

E foi assim, acompanhando esse “Romeu e Julieta” contemporâneo, que eu consegui vencer o tédio daquela noite, que a proximidade da data me fez recordar, enquanto os meus “chefes” se divertiam n’algum lugar bem mais agradável do que alí...

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