sábado, 3 de setembro de 2011

Com buchada e com afeto


Pego a caneca que ganhei das meninas, jogo duas colherinhas de leite dentro, acrescento mais três de mistura para cappuccino e mexo suavemente até o leite se integrar ao café.

Levo a mão à chaleira e pingo um pouco de água na xícara, mexendo energicamente até virar uma pasta cremosa com aroma apuradíssimo. Acrescento água fervente, mexendo suavemente até o líquido alcançar a borda.

Polvilho uma pitada de canela, e, finalmente, está pronta a bebida que gosto de saborear enquanto derramo as idéias sobre a tela do meu computador portátil, nas tardes de terça-feira, deixando escorrer palavras e frases pelos dedos ágeis, saltitando sobre o teclado.

Mais do que simples aperitivo, o meu ritual faz fluir a imaginação e abre as porteiras da mente, que comporta, entre as coisas práticas do dia-a-dia, as lembranças de momentos compartilhados com pessoas queridas.

Nesses compartimentos, as manhãs ensolaradas da infância, as brincadeiras de roda, os carinhos da irmã mais velha; também férias na praia, os bailinhos da adolescência, as palpitações do primeiro amor, passeios a dois...

E o nascimento das filhas, a dinâmica familiar que criamos, os Natais, as festas juninas, as datas comemoradas em família: recordações que se acomodam nos recônditos da alma, e que, por vezes, nos salvam da tristeza e do desânimo destruidores – sempre espreitando uma brecha para se instalar –, ao lembrar que o bom da vida é ter histórias para contar.

No fim de agosto, escrevi mais uma dessas páginas na companhia das adoráveis criaturas com que Deus me floreou a existência, Jade e Maya, além da nossa mascote Pepa, que completou dois aninhos no sábado, 27.

Malas prontas, rumamos à capital pernambucana para festejar mais um inverno de Dona Nega. Chegamos ao Recife na tarde daquele dia e abraçamos a terra amada tomando um cafezinho na Padaria Nova Armada, Madalena.

Um momento de reencontros gastronômicos: Jade e a sua broa de milho (“A melhor que existe!”), Maya e o sonho “mais gostoso do mundo”, eu e o inesquecível pastel de nata – jamais encontrado em outro lugar.

Após o lanche, seguimos aos encontros reais: Simone, Luana, Caio, Luizinha, Marcelino e a avó das meninas nos esperavam ansiosamente.

O domingo amanheceu ensolarado e cheio de promessas alvissareiras. Preparamos um lauto café da manhã para brindar a vida de Dona Nega – que era só sorrisos com as três netas e o bisnetinho a lhe envolverem com abraços e muito carinho.

Enquanto recebia os telefonemas, limpamos a casa e organizamos a área externa, colocando churrasqueira, mesas e cadeiras sob a caramboleira – onde se acomodaram os convidados do almoço especial, à moda maranhense, que vinha sendo preparado desde a véspera, sob a supervisão da anfitriã.

Limpa o bucho com limão, escalda as tripas e corta em pedaços com todos os temperos – disse a aniversariante, ensinando-me a fazer a buchada de bode, que é a sua especialidade. Recheia os buchinhos com o picadinho (que também leva arroz e cheiro verde) e costura-os com agulha e linha.

Mas o segredo do sucesso que o seu prato faz entre os pernambucanos, segundo ela, é o leite de coco que coloca nos buchos, quando estão quase prontos.

Sua receita revela a alma de uma mulher simples, que criou os filhos com muito trabalho e esforço próprio, cuja alegria é reunir a família e estar rodeada pelos filhos, feito árvore frondosa, que aprofunda as raízes a cada floração.


@para Dona Nêga, Simone, Luana, Caio,
Luizinha, Marcelino, Zédilson, Polly,
Belinha, e quem mais estava por lá.




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