quarta-feira, 9 de maio de 2012

Sob o sol forte...

(Luís Antônio, 44, Jaramataia - AL / Foto: Yvette Moura)
Os vincos da face, queimada do sol; a textura da pele, prematuramente enrugada; as mãos calejadas de empunhar diariamente a enxada; os dentes escassos na boca, revirando um talo seco de capim; os olhos miúdos lançados no horizonte à busca de algum sinal...

Encontrei Luís Antônio da Silva carregando dois tambores de água vazios sobre uma carroça – puxada por um animal tão magro e desalentado quanto ele – logo na entrada da cidade de Jaramataia, na manhã da última quinta-feira.

O português truncado à moda camponesa, a fala mansa e pastosa comum aos sertanejos, que eu valorizo tanto, não me impressionaram mais do que saber a idade do nosso entrevistado, nascido no mesmo ano que eu.

O aspecto envelhecido, como se ostentasse respeitosos sessenta e poucos anos, nada mais era do que o reflexo perverso da falta de oportunidades e dos desafios constantes a que está submetido o homem do campo.

Logo pude constatar que a textura ressequida estampada na pele de Luís Antônio nada mais era do que o padrão do lugar: impresso na face das mulheres, na falta de perspectiva dos homens, no olhar absorto dos idosos, nas paredes das casas de taipa, na copa das árvores da caatinga, e até no leito dos rios.

“Descabriados”, a muito custo esses seguiam o seu curso, cabisbaixos e humildes, falhando aqui e ali, enquanto os açudes e as cacimbas, não menos majestosos, recolhiam-se a uma insignificância que não era sua. 

Tal a paisagem inóspita encontrada pela equipe de O Jornal na reportagem sobre a longa estiagem no Sertão alagoano – escrita por Láyra Santa Rosa e fotografada por mim –, que estampou a capa do último domingo (06).

Afora pisar com os próprios pés o solo áspero e enlameado dos açudes, no entanto, e registrar com a própria câmera a paisagem árida da seca, nada do que vimos pode ser considerado propriamente uma novidade ou surpresa. 

Afinal, intensa ou amena, a seca é uma realidade de todos os anos para aquela região.

Surpresa mesmo é ver só agora os gestores se mobilizando para tentar amenizar os efeitos danosos de uma longa estiagem, e assistir ao governo do Estado rogar a Deus que mande chuva.

Surpresa é constatar que no terceiro milênio ainda enfrentamos problemas corriqueiros e recorrentes como esses à maneira de principiantes.

Surpresa é descobrir que, por trás da escassez da água, do sofrimento e da miséria dos que se encontram presos a situações como essa, existe toda uma “indústria” dando suporte a esse estado de coisas, e muita gente tira o seu “sustento” da desgraça alheia.

Surpresa, aliás, talvez nem seja a palavra mais adequada: faz muito tempo que essa “dinâmica” está estabelecida nos sertões nordestinos. 

E, certamente, muitos candidatos serão eleitos, no próximo ano, com os “votos da seca”.

Um comentário:

fernando Caldas disse...

Um belo poema de reverência àqueles que não tiveram, nesta vida, as oportunidades de desenvolverem potencialidades intelictivas e por isso, padecem muitas vezes, à mercê do egoísmo dos que ainda não se inclinaram para o terreno da amorosidade, nos campos de atuação a que se ligam. A dor nas faces, o desgaste, a penúria extrema, os vincos que a inexorabilidade do tempo determina e as mãos calejadas pelo cabo da enxada, as mesmas que acariciam a pele sensível de uma criança... Um destino criado previamente, decerto, mas um grande campo para o desenvolvimento do altruísmo entre os homens. Que a sensibilidade dê lugar à indiferença que ainda governa o coração dos nossos gestores. Bjs