quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Para além desta vida

 
 
A data mais uma vez se aproxima e a idéia do fim já começa a povoar o imaginário popular como um castigo divino ou acontecimento irreparável. Mais um Dia de Finados chega e vai reacendendo a dor da saudade e estabelecendo distancias inalcançáveis entre os seres que se amam e foram brutalmente separados pelo fenômeno da morte.

“Eu não gosto desse lugar”! Disse-me uma senhora na porta do cemitério São Luís, na Colina, quando eu distribuía “Lições de Vida” sobre a imortalidade da alma, anos atrás. Acompanhando o marido na visitação ao filho, morto há alguns anos em um acidente automobilístico, ela esperava no portão enquanto o outro se debruçava sobre a lápide fria debulhando a sua saudade, e a profunda inconformação, em lágrimas de tristeza e amargor.

Com sorriso nos lábios, dizia não compartilhar da crença do esposo, que julgava ter perdido o filho querido para sempre, e me segredava a experiência vivida no primeiro Dia de Finados após a partida desse ente tão querido. Enquanto o marido passara o dia inteiro chorando à beira do túmulo, ela decidira ficar em casa curtindo a sua saudade, que ainda doía muito.

Num momento silencioso, em que se deitara um pouco, teve repentinamente o quarto invadido pelo perfume do seu primogênito e se sentiu enlaçada por seus braços fortes em um caloroso abraço. “Estou aqui”! Disse a voz querida, que vinha iluminada de um largo sorriso, no semblante adorado, que surgia como um lindo retrato nos recônditos da sua mente.

Na felicidade daquele encontro (exatamente como gostava de fazer em vida), a senhora se lembrou do marido, que, sozinho no cemitério, buscava nos despojos do filho a vida estuante e feliz que se encontrava ali ao seu lado. “Eu tive muita pena dele...” – declarou.

E é exatamente assim que eu me sinto com relação àqueles que não conseguem compreender a real dinâmica da vida, e aceitar que, independente das nossas crenças, a vida continua indefinidamente.

Buscando a lógica da existência, o que me parece mais absurdo é imaginar que após estudarmos tanto, adquirirmos conhecimentos vários, estabelecermos diversas formas de relacionamento com as pessoas e inscrevermos os nossos nomes na história, por força dos nossos feitos – mesmo que seja na restrita história de um pequeno grupo –, tudo se acabe de uma hora para a outra, sem nenhum sentido.

Cultuar os despojos, para mim, é prolongar o sofrimento e reforçar, ano a ano, a idéia da perda, da ausência, do nada. Festejar a vida, através da alegria e da oração, ao contrário, é fortalecer os sentimentos, viabilizar os canais de comunicação com os seres que amamos e estender ao infinito o afeto genuíno, encurtando distâncias pelos laços do coração.

Fundamentado em seus estudos e experimentações, sobre a comunicação dos ditos mortos através de aparelhos eletrônicos, o pesquisador baiano Clóvis Nunes afirma sem receio de cometer equívocos: "Eles não estão lá! Os cemitérios não são hotéis de espíritos".

3 comentários:

Anônimo disse...

quem dera esse artigo fosse lido por algumas pessoas tão sofridas que conheço e que sofrem além da saudade nessa época. lindo e verdadeiro o texto de yvette, até mesmo terapêutico.

Edna.

Anônimo disse...

Muito bom o texto, nos leva a refletir sobre essa separação "temporária", e a forma de lidar com ela!!

Vanda Atanásio

Anônimo disse...

bom dia, yvette! obrigado por esse texto que ilumina

Jorge Clésio