terça-feira, 11 de dezembro de 2012

(Sem) Mágoas...


(foto: Yvette Moura)
 
Percebi que o chão é mais duro; o buraco é mais embaixo, sim;
e o quarto fica sempre mais escuro durante a madrugada...
 

Sabes de uma coisa, eu já estou me cansando desse negócio de ficar calada enquanto a minha mente não para de emitir ideias, conceitos e impressões sobre tudo que eu vejo, sinto ou vivencio de alguma forma.

Tudo isso está se transformando em uma brincadeira chata e sem graça, que esconde a verdade num vazio de palavras exatamente quando tudo quer se revelar.

Como “Atirei o pau no gato”, “Pique-esconde”, “Pobre de marre” [é assim que se chama a brincadeira?], o que se deseja de verdade é o que está no lado oculto da fala: a maldade infantil por trás do berro do animal; a fantasia de abraçar o coleguinha num canto escondido, sem ser flagrado pelos demais; os luxos de uma riqueza, pelo menos, imaginária...

Enquanto todos fingem seguir adiante, como se nada houvesse acontecido, eu vou tocando em frente, meio a contragosto, e continuo oscilando entre o delírio e a lucidez, a loucura e a sanidade, a guerra e a paz, o desejo e a falta de vontade.

Sem me aperceber, sigo revelando em pequenos gestos e expressões faciais as manhãs de sol intenso e as noites escuras em que tenho mergulhado, dia após dia, alternadamente.

Se tu me conheces, podes até arriscar um palpite sobre os tempos vindouros, e os futuros vícios, ou ofícios, que surgirão daqui, a partir de mim. Sei lá!

Tudo é tão inconstante e móvel neste pedaço de chão que eu acredito em todas as possibilidades que poderão advir... De ti.

Não sou mais tão ingênua assim, ouviste? Não acredito mais em abraços e sorrisos fáceis, frases elaboradas ou coisas do gênero. Como também não mais dou crédito a palavras de ordem e promessas de corações apaixonados. Eu não!

Percebi que o chão é mais duro; o buraco é mais embaixo, sim; e o quarto fica sempre mais escuro durante a madrugada...

E que não importa se você delira e treme de febre, ou se tilinta de frio enquanto os outros dormem e ressonam ao seu lado sob cobertores quentes e camas confortáveis. É segurar o medo frente ao pesadelo; controlar a respiração (nada mais a fazer!) e colocar as mãos em concha, preenchendo a solidão com uma prece emocionada, endereçada ao Criador com sentimentos partidos direto do coração. Eu não...

Já não serei mais presa fácil aos teus caprichos insanos, podes ter certeza. Porque se agora choro a minha ingenuidade, e coleciono fracassos como conseqüências dos meus atos aguerridos e alterados, um pouco fora de hora, talvez, também me reconstruo e vou ficando mais forte a cada novo tombo. Ah, sim...

Pegarei as portas que se fecharam ante as minhas súplicas, os olhos que não se compadeceram com a minha dor, o silêncio que recebi inúmeras vezes como resposta aos meus pedidos de socorro, e construirei a minha colcha de retalhos, multicolorida e de várias texturas, sobre a qual adormecerei os meus sonhos perdidos.

Com ela forrarei o chão que piso, como se fossem pétalas de rosas, e seguirei viagem pelo espaço infinito dos meus dias eternos, aqui e no Além; como se desfilasse num tapete vermelho sob os holofotes do corredor das estrelas, ou varasse o horizonte sangrando o azul celeste na felicidade de um vôo sem fim. Ah, sim.

E eu te levarei comigo, meu amigo. Para que conheças bem de perto tudo o que perdeste quando deliberadamente abriste a tua mão e me lançaste para bem longe... De ti.

3 comentários:

Anônimo disse...

Que bom, Yvette, voltar a ler um texto seu "fresquinho, recém saído do forno", como gostas de dizer.
Um mimo que fala ao coração!
Vera Alves.

Anônimo disse...

Perfeito!

Evandro Almeida.

Fernando caldas disse...

Que bom Yvettíssima, eese desabafo "sem mágoas". As palavras servem, no mínimo, para desanuviarem as sombras que teimam em nos ocultar do mundo. Já não há mais tempo para os esconderijos. Ser é preciso, viver, mais ainda. Bjs. Fernando Caldas