segunda-feira, 7 de agosto de 2006

O discurso do abraço

Outro dia, fui abraçar uma amiga no Parque das Flores com o intuito de diminuir a dor da perda do seu único irmão, que foi acometido por uma doença grave, de ação rápida, restando-lhe pouco mais que duas semanas para as despedidas.
Precisava dizer a ela que não estava só. Que encontramos outros irmãos ao longo do caminho, pelos mais diferentes meios, embora cada um seja insubstituível. Que a cura, quando acontece na alma, às vezes, não se materializa no corpo. Que partir assim, “tão rápido!”, é misericórdia divina...
Precisava levar-lhe também o discurso do abraço, o não dizer nada. Envolvê-la apenas no calor do meu afeto – silencioso sentimento que aproxima os seres – e transmitir-lhe força. Apenas abraçá-la e dividir com ela aquela dor que não era minha, mas que eu conhecia.
Aprendi a importância dos amigos numa hora difícil quando “perdi” a minha mãe. Tudo o que mais precisava era de alguém que me ajudasse a suportar aquela dor, que cumprisse o papel do Cirineu – o homem que foi levado a dividir com o Cristo o peso do madeiro infamante.
O nascimento e a morte são os movimentos mais comuns e também os mais intrigantes da vida. Chegamos e partimos em meio a surpresa e revolta, alegria e choro, festa e dor...
Mas apesar de só enxergarmos dor nas despedidas, haverá sempre alguém esperando na outra margem, com o coração aos saltos. Aquele que daqui se despede, deixando saudade, retorna a um porto amigo, onde é recebido sob um clima de festa, numa alegre recepção.
Reproduzimos assim, ao chegarmos e partirmos da experiência terrena, o movimento de um transatlântico, que deixa um cais para aportar em outro, exercitando em nós o amor e o desapego. E como em toda viagem, “navegar é preciso” (no real sentido das palavras de Pessoa); viver, não.
Estar vivo é estar sujeito ao movimento dinâmico da vida. Mas a morte requer preparo, pra não dizer “treino”. E o que mais precisamos treinar para evitar o sofrimento excessivo das despedidas, é o desapego. Lembrando que o amor é um sentimento que liberta a alma e aproxima os seres, em todas as dimensões.
A Psicologia fala que a morte cumpre seus ciclos e que é saudável viver a dor, o luto e a saudade, para que a vida, enfim, siga seu curso e retorne à normalidade. Mas estagnar na melancolia já é um processo patológico.
Ao aproximar-me da mãe que, sentada ao lado do féretro aparentava um sofrimento controlado, escutei uma das frases mais significativas da minha vida. Abracei-a, identificando-me, e quando intentei confortar-lhe o espírito fazendo uma analogia à mãe de Jesus, que viu seu filho partir com o único consolo de o estar “devolvendo” ao Pai, a senhora, fortalecida na fé, me olhou com olhos muito lúcidos e disse: Eu estou satisfeita!
É a segurança de quem sabe que Deus é o timoneiro do ‘transatlântico em curso’ que somos nós na terra, que faz a criatura enfrentar o momento delicado da morte com serenidade. Porque para todos chegará o convite inconfundível de Jesus: “Deixa tudo o que tens e me segue”.
Do mesmo jeito que a natureza nos oferta nove meses para que organizemos a chegada de um filho, Deus nos dá o conforto da fé e o despertar da consciência para que deixemos partir o ente querido quando for chegada a sua hora. E feliz é aquele que abre os braços, nos vários momentos da vida, para receber o abraço do Pai.
@para Dulce, como um abraço...
e para o meu pai, que veio ao mundo na data de hoje.

Um comentário:

do ás ao rei disse...

MM, você está certa em TUDO! O Timoneiro, sabe onde levar o navio, e onde aportar para o desembarque dos que recolhe. O mérito da continuidade, ou seja, se esse novo porto será um outro navio ou um recomeço, é o reflexo dos caminhos que traçamos em vida!

Beijos pra você... e um abraço forte, minha amiga.