segunda-feira, 21 de agosto de 2006

O filho da galinha ou Um pequeno conto infantil

Quem quiser que pense que criança não observa tudo o que se passa ao seu redor. Principalmente nos dias de hoje, que os pimpolhos parecem portar um manualzinho interno com respostas para tudo, tão auto-suficientes eles são. Em matéria de tecnologia, então, nem se fala. A cena mais comum que se vê hoje em dia é um pai pedindo ajuda ao filho para conseguir “dominar” aquele monstrengo voluntarioso e cheio de armadilhas que é o computador. A intimidade com que mexem na tal geringonça é espantosa.
Mas mesmo assim há momentos de tanta pureza na forma das crianças enxergarem as coisas, que em nenhuma outra fase da vida se terá uma capacidade tamanha de usar a imaginação e a ludicidade...
Foi o que observei a partir do acontecido com um casal de amigos meus, pais de uma menininha de sete anos de idade que, por conta do jeito reflexivo e questionador que apresenta desde cedo, ficou conhecida na escola como Cecília – a pensadora.
Naquele dia, a menina parecia introspectiva além do normal. Havia algo que a incomodava. Não conseguia assimilar direito as explicações da professora nem estava prestando atenção à aula.
“Parece história de Trancoso; conto da Carochinha”. Refletia ela, repetindo as expressões usadas pela mãe, num canto afastado da sala. Afinal, como aquilo era possível? Perguntava-se intrigada.
Cecília acompanhava atentamente cada gesto do coleguinha, que não lhe parecia estranho (pelo contrário!). A não ser aquela energia toda que tinha (o garoto não parava!) e a forma enrolada de falar, o menino parecia normal.
Naquele dia, a pequena não teve coragem de se aproximar do colega novato, mas passou a manhã inteira observando seu comportamento, passando e repassando na mente a história triste que a professora contara enquanto o apresentava à turma e pedia que tivessem cooperação e paciência com ele.
Era realmente muito estranho. Nos seus sete anos de vida, Cecília nunca ouvira falar numa história como aquela. Refletia, ensimesmada e comovida a menininha. Mas, ao fim do dia, como nenhum outro colega tivesse questionado a veracidade dos fatos, ela se deu por vencida e resolveu aceitar os argumentos da tia como ‘verdade absoluta’.
Em casa, no entanto, os pais acharam a filha um pouco mais calada do que de costume. Parecia não estar ali: dispersa, pensamento distante. Trazia o cenho franzido, um ar preocupado e estava com uma agitação fora do habitual, embora não dissesse nada. Coisa de pais que observam e conhecem bem os filhos!
Os pais de Cecília resolveram, então, investigar:
- Como foi o seu dia hoje, meu bem? Perguntou a mãe, disfarçando a ansiedade.
- Bom! Respondeu a menina sem entrar em detalhes, meio distraída.
- Alguma novidade na escola? Arriscou o pai, tentando não demonstrar a aflição que trazia no íntimo.
A filha não respondeu. Já estava completamente ausente; absorta em seus pensamentos. Mergulhada em algum lugar entranhado da sua cabecinha ou, o que é pior: fora dela.
De repente, como se acordasse de um transe, a menina voltou à conversa. Acorreu-lhe a idéia de dividir com os pais aquela história triste que ouvira da professora no início da manhã.
Sim. Eles iriam gostar de saber. Será que, sendo mais velhos, eles não conheciam algum caso parecido ou alguma outra pessoa como aquele menino? Pensou Cecília, com os olhos brilhantes.
- Ah! Hoje chegou um menino novo na sala. Ele é filho da galinha... Soltou a menina como quem não quer nada.
- Que história é essa!?! Perguntou a mãe, entre surpresa e preocupada.
- É verdade!
- Onde você ouviu isso, Cecília? Indagou o pai, já num tom mais grave.
- Foi a tia que disse pra gente. Ele até fala de um jeito diferente! Arrematou a filha, com um certo ar de superioridade. Afinal, pela reação dos pais, eles nunca haviam conhecido alguém que tivesse vindo da galinha. Ao passo que ela, no auge dos seus ‘oito anos’ (já estava se sentindo mais experiente), já conhecera um ‘quase extraterrestre’...
Os pais queimavam seus neurônios. Pensavam pra lá, pensavam pra cá, tentando compreender aquela novidade trazida pela filha...
De repente, qual ocorrera a Cecília, o pai teve um insight: "Será que ele não veio do Peru, minha filha?"
- Ah, é isso mesmo, papai! Foi o que a professora disse: Ele é filho do Peru!

Um comentário:

Yvette Maria Moura. disse...

Oi Yvette, tentei postar um comentário no seu blog mas percebi que tem que se ter conta no blogger pra isso :(
Mas estou enviando na íntegra o comentário que fiz por lá, aquele que não consegui postar...

P.S.: é sobre o conto "O Filho da Galinha"

Oi Yvette,
demorei, mas voltei a freqüentar seu blog (coisas de capricorniano distraído).
Gostei muito do conto.
Gosto muito quando alguém consegue traduzir a pureza das crianças, o realismo fantástico que existe em cada uma delas.
Por um instante cheguei a pensar que a criança fosse de Angola ou talvez Guiné Bissau... mas isso se deve ao meu realismo fantástico mesmo. :D
Bjão!

(comentário enviado por Drailton Diniz)