sexta-feira, 13 de outubro de 2006

O melhor momento

Malu voltou pro seu cantinho mais seguro: o colinho da mamãe. Mas ao chegar já não eram apenas os membros da família que lhe aguardavam. Uma cidade inteira lhe estendia os braços, envolvendo-a num gesto carinhoso para comemorar a sua volta...

Passada a agonia, fica o aprendizado para aqueles que viveram esse drama mais de perto. O convite para repensarem os valores adotados até aqui. Repensarem a própria vida. E adotarem uma nova postura diante dela e dos seus semelhantes, daqui por diante.

A história conta inúmeros casos (muitos permanecem no anonimato) de pessoas que mudaram da água para o vinho depois de passarem por situações de risco. É a fé que desperta inabalável; a união entre os seres que se solidifica; um sentimento profundo de fraternidade que eclode dos escombros da alma; o desapego material que se evidencia no indivíduo; um enorme senso de gratidão que é adquirido; um chamado para as causas sociais ou as lutas coletivas... Na mais ínfima das hipóteses, alguma coisa muda na criatura. E muda para melhor.

Inúmeros são os testemunhos que ouvimos de pessoas que passaram por momentos difíceis ou trágicos e modificaram suas vidas, como o que aconteceu ao ginasta recém saído da universidade que conheci há quase dois anos, numa cadeira de rodas, tetraplégico, após fraturar a coluna em um treinamento habitual que o preparava para uma competição importante.

O olhar aflito de seu pai, lágrimas nos olhos, buscava uma resposta para o acontecido no que julgava ser “o melhor momento” do filho. A falta de fé gritava, mesmo em seu silêncio, questionando os desígnios de Deus. De tudo o que eu lhe disse, as únicas palavras que ficaram ressoando em sua mente, imagino, foram as que asseveravam que “Deus tem um plano feliz para cada um de nós”.

Falava do que me vinha ao coração. Da certeza absoluta que tenho da presença divina na vida dos homens – adquirida nos momentos difíceis que já experimentei. Mesmo assim, vi sair aquele pai, empurrando a cadeira de seu filho como se arrastasse um enorme peso, sem divisar a linha do horizonte nem sentir a brisa suave que, naquele instante em especial, se acercava dele.

Mas qual não foi a minha surpresa, algum tempo depois, ao encontrar aquele jovem – cuja vida mudou tão bruscamente – perfeitamente engajado na causa dos deficientes físicos. Professor de uma determinada instituição, ele hoje emprega sua energia e os conhecimentos adquiridos com a profissão que abraçou para promover a melhoria dos pacientes atendidos ali, auxiliando-os a se conduzirem na vida com mais segurança e independência.

Questionado sobre a vida, ele assegurou, com um sorriso confiante nos lábios, que estava vivendo o seu melhor momento. Porque havia encontrado um novo sentido para viver...

Portanto, menina Malu, que esse episódio fique para você apenas como uma vaga lembrança de um sonho ruim. Desses que acordam a gente no meio da noite, coração aos saltos, e nos faz correr para a cama da mãe, na certeza de que lá poderemos retomar o sono tranqüilo e voltar a sonhar os sonhos bons, na segurança de seus braços maternais.

Quanto àqueles que intentaram contra o seu direito à pureza da infância, deixo aqui um questionamento que espero um dia não fazer mais o menor sentido: Quantos jovens precisarão ser exilados da sociedade, em plena idade produtiva, para que o Ser Humano finalmente entenda – especialmente esses que levam a vida provocando a dor e a agonia alheia – que o crime não compensa?

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