terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Divagações breves sobre escrever e calar

Porque o amor é este átomo de tempo em que nos encontramos
uns com os outros e nos reconhecemos como centelhas divinas.


Porque não somos máquinas, porque temos sentimentos e sofremos variações de humor, somos acometidos, vez em quando, de um silêncio profundo, uma escassez de assunto, uma falta inesperada do que dizer. As palavras parecem querer, de repente, nos abandonar.

Lembro-me de um texto que li, certa feita, da maravilhosa Clarice Lispector, em que ela afirmava ter nascido para três coisas na vida: ter filhos, escrever e amar. Analisando esses talentos, a escritora destacava a beleza de cada um e o prazer que sentia em realizá-los, mas mostrava-se inclinada a confiar apenas no terceiro. Porque o amor é algo que não se esgota nunca: quanto mais se ama, mais o sentimento se multiplica e mais se expande a nossa capacidade de amar. Já os filhos, dizia ela, um dia crescem e não necessitam mais dos cuidados maternos. E a escrita, bom, esta poderia abandoná-la a qualquer momento, deixando-a órfã das letras, oca de inspiração...

É claro que era um exagero da grandiosa escritora, que enriqueceu, e muito, a literatura brasileira, mas, guardando as devidas proporções, penso que seja este o receio dos que amam a escrita, como eu. Acho que era exatamente a isso que se referia Arnaldo Ferreira, quando o encontrei outro ano, exatamente neste período natalino – num desses encontros felizes da vida –, e cometei com ele que iria investir na literatura. “Não esqueça de que, na literatura, você fica refém de si mesma!”, advertiu, com um leve ar de preocupação. Respondi que sabia. E sabia mesmo!

Escrever, para mim, é algo vital, como respirar e ter sonhos. Escrevo mais por necessidade do que por prazer, embora consiga aliar perfeitamente o “dever” com a satisfação. A tessitura de um texto cumpre, às vezes, um processo penoso, sofrido até, e transpor para o papel o que trago na mente pode ser um exaustivo e doloroso exercício de existir.

Já o momento da inspiração, quando as palavras brotam de nós com uma urgência e precisão, às vezes, desconcertantes, é uma experiência fantástica, profundamente feliz e única, mesmo que se repita inúmeras vezes. Nós nos sentimos como que ungidos pela graça divina, como se as mãos mágicas do Criador despertassem miraculosamente as belezas que jazem adormecidas em algum lugar encantado da nossa mente e as materializasse em verdadeiras pérolas.

Por isso, a mais breve possibilidade de calar assusta; apavora até. A possibilidade de emudecer de repente e não conseguir mais traduzir os sentimentos do mundo, nossas emoções, é assustador! Como aceitar de bom grado a perda daquele talento que nos inquieta, mas, ao mesmo tempo, paradoxalmente, dá sentido e leveza ao viver? Não seria uma tristeza destituir o poeta da sua poesia? Não seria penoso vê-lo carregando o peso de sua existência, incompreendida e solitária, sem nada que o aliviasse ou lhe fizesse fluir?

Escrever é um dos mais caros bens que possuo. Talento que procuro desenvolver com a mesma ética que adoto na realização de qualquer atividade. Decência, respeito, alegria, dedicação são alguns dos cuidados que tenho ao desenvolver as tarefas que abraço.

Escrevo, portanto, como quem declama um poema e a ele é todo entrega e devoção. Escrevo como quem ora e aparta para longe todo mau olhado, toda indolência, toda inveja e malquerença que possa atrair. Escrevo como quem se lança nas funduras de si mesma e se expõe, corajosamente, à opinião pública. Escrevo como quem não conhece outra forma de se expressar nem qualquer outro meio de se encontrar consigo mesmo, com os seus semelhantes e com Deus...

Porque o amor é este átomo de tempo em que nos encontramos uns com os outros e nos reconhecemos como centelhas divinas. E nada mais somos para o mundo, amigo leitor, do que o que exercitamos aqui, eu e você: um ser que se esvazia para o outro, num gesto de confiança e gratidão, enquanto este o recepciona e se deixa preencher de seus mistérios pacificamente. Tudo isso, no ínfimo instante em que, na roda da vida, os olhos se encontram.

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