quinta-feira, 3 de julho de 2008

Sob o influxo da saudade...

O que nos une é a universalidade dos afetos, a aceitação e o respeito mútuo, mesmo que silencioso.


Não é propriamente frio o que eu sinto agora, deitada em minha rede, recém-chegada de breves férias no interior de Pernambuco, mas uma espécie de saudade...

A chuva que cai lá fora apenas reforça esse sentimento, que embora não sendo matéria, tem peso, forma, som, cheiro e cor quase palpáveis. Uma saudade que tem sede própria, firma reconhecida, testemunhas e um valor incomensurável, apesar de existir apenas aqui, dentro de mim. Um sentimento conhecido somente, em profundeza e verdade, por aqueles que se arvoram pelos caminhos do amor ...

Visitar os meus irmãos é um nutritivo alimento para a minha alma, mas a minha família é muito maior do que os laços consangüíneos. A verdadeira família é extensa e universal, por isso, vivo encontrando irmãos pelo caminho. Descobrindo-os e me reconhecendo neles, como parte de um grande mosaico.

Em sua maioria, são pessoas simples; gente que talvez nem desconfie o quanto é querida. Mas é com os que nada têm a dar, a não ser o seu afeto, que eu tenho mais afinidade...

Alguns errantes, ainda equivocados; outros admiráveis, verdadeiras autoridades morais (sem que se dêem conta disso), os meus familiares distam em suas particularidades, virtudes e comportamento. Mas como um coração de mãe, que acolhe as diferenças dos seus com o mesmo sentimento maternal, eu os amo a todos, indistintamente.

O que nos une é a universalidade dos afetos, a aceitação e o respeito mútuo, mesmo que silencioso. É a admiração velada, a disponibilidade, a confiança, a entrega, a ternura que transparece em pequenos gestos e palavras simples...

É a alegria do encontro – quando a chegada é uma festa indisfarçável para os olhos, os braços e o coração –, que denuncia seus membros; identifica-os... Igual ao que ocorreu ao Marco Leão, que, à convite nosso, visitou dona Erotildes – pernambucana que mora com dois irmãos em uma casa simples, no alto da ladeira do antigo Engenho Mangue, onde mora Ana, minha irmã.

No quintal da casa, catava lenha para o fogo, quando chegamos lá, Marco, Jak e eu. Lenço na cabeça, alguns fios em desalinho caindo sobre a fronte, abriu um largo sorriso quando nos viu e logo nos convidou a entrar. Na sala ampla, rodeada de cadeiras e uma televisão ao centro, com vários retratos da família e imagens de santos nas paredes – cenário típico de uma casa do interior pernambucano –, falamos sobre diversos assuntos até sermos chamados à mesa, próxima ao fogão de barro, para tomarmos café torrado com bolo de trigo, que acabara de sair do forno.

Como se alimentar o corpo fosse a senha para nutrir a alma, a mulher começou a falar sobre a presença constante do amor de Deus em nossas vidas e foi deixando cada um hipnotizado com a sua fala, mansa e de sotaque arrastado, enriquecida de uma fé viva e contagiante – nascida não nas poucas idas à igreja, que fica muito distante, mas no labor diário em família, cheio de um amor operante e resignado.

Dona Erotildes ou Bidida, como é carinhosamente chamada por Vando, foi quem criou o sobrinho, que chegou quase morto nos braços dos pais, vindos de Caruaru com o filho desenganado. Também cuidou, com zelo e dedicação extremada, do pai honrado e da mãe adorada – esta, alguns anos após o marido –, quando caíram de cama, à beira da morte.

Encantado com aquela mulher miúda e simples, mas de alma gigante e nobre (que eu amo tanto sem nunca lhe ter dito), Marco chegou a chorar em casa, como me contou a sua esposa, lembrando-se de dona Erotildes. Quando soube que eu iria para o Mangue, numa outra oportunidade, entregou-me um vidro de Alfazema para presenteá-la, materializando, assim, a sua saudade.

Como ele, e porque não tive a oportunidade de ir visitá-la, aproveito esta crônica para lhe endereçar um buquê de flores do campo – para ornar os cabelos e enfeitar a casa –, acompanhado de um longo e afetuoso abraço.

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