sexta-feira, 31 de julho de 2009

A canção da alma

(foto: Yvette Moura)

Na estrada, em mais uma viagem de trabalho – desta vez, para apurar denúncias de prostituição infantil e pedofilia num diminuto município do interior alagoano –, deixo a mente livre para pensar nos amores da minha vida...

Esta manhã dava a primeira volta na chave quando ouvi a vozinha sonolenta de Maya chamando por mim. Preferi me atrasar um pouquinho a deixar a casa sem o beijo das minhas filhas e a habitual encomendação delas a Deus.

Braços abertos, a caçula já me esperava para ganhar o abraço da mãe e desejar-lhe uma boa viagem. Jade, mais dorminhoca, endereçou-me um leve sorriso, ainda de olhos fechados, ao sentir os meus lábios tocarem a sua testa.

Agora, já na BR-101 Sul e sentindo que fiz a coisa certa, de repente, me voltam lembranças de minha mãe e de certa prática ancestral...

- Ettinha!!! Gritava dona Ivete ao me ver chegar, sempre que aproveitava para visitar os meus pais e a minha cidade natal. Ainda hoje eu lembro do som da sua voz e da vibração que havia na emissão daquela palavra para saudar a chegada da filha caçula. Ah, quanta saudade...

Eu vim compreender a importância do primeiro nome de uma pessoa quando tive que escolher os das minhas filhas. Foi aí que eu me dei conta do quanto é determinante esta palavra para a construção da personalidade de cada um, afinal, é por ela que seremos chamados até o fim da existência. Se não gostarmos, ser-nos-á um tormento diário...

Recordo-me do alívio que senti ao constatar, logo no primeiro ano, que Jade havia adorado o nome que escolhemos para ela. Assim que aprendeu a falar, só se referia a si própria pelo primeiro nome e ainda fazia mil variações com a palavra que lhe garantira a identidade: Dade, Dadade, Dadinha... Já Maya, ainda hoje abre um largo sorriso, com olhos brilhantes, quando a chamo como na infância: - Maya Maricota!!!

O nome da gente soa como uma música melodiosa quando é pronunciado pelos lábios das pessoas que amamos: porque vem impregnado de afeto. O nosso nome tem uma sonoridade especial e uma série de símbolos e significados que o diferencia dos demais. Ao ser pronunciado com carinho, compõe a música da nossa alma e é preponderante para o nosso bem-estar.

O prenome é também determinante para a autoestima, que pode se tornar alta ou baixa ao longo da vida. Ele é um dos fatores que pontuam e estabelecem a individualidade dos seres.

Voltando ao tema que nos traz a essa cidade (cujo nome eu prefiro ocultar aqui), penso que falta às criaturas do mundo hodierno a musicalidade da palavra que as identifica como membros insubstituíveis da família divina. O amor pronunciado através de seus nomes, talvez lhes devolvesse o amor por si mesmas e o respeito pelo próximo.

Nutridas e conscientes da porção divina dentro de si mesmas, não se depreciariam ao ponto de venderem os próprios corpos em troca de um minuto de atenção ou de algum trocado, ainda em tenra idade...

Igual àquela tribo africana que, para cada criança que nasce, cria uma canção diferente. Conta-se que, quando um membro da comunidade comete algum delito, ao invés de ser castigado ou banido do grupo, é envolvido pelo seu povo, numa grande roda, que canta para ele, repetidas vezes, a canção da sua alma.

Eles acreditam, com isso, fortalecer o indivíduo e lhe proporcionar o grande encontro consigo mesmo. Nutrida pelo amor da tribo, a criatura recuperará o amor por si mesma e dará sempre o melhor de si dali por diante.

Talvez, apesar de havermos evoluído tanto no campo da inteligência, falte-nos ainda a observância de algumas práticas primitivas para compensarmos o nosso tamanho atraso moral. Mantendo viva em nós a canção da vida, quem sabe, um dia, deixaremos no passado essas nossas práticas abusivas.

3 comentários:

EmmyLibra disse...

ô amiga... você pisou no meu calo mais dorido: odeio o meu nome!
Não é feio. Muita gente diz que não é. Mas soa tão mal quando alguém precisa mesmo me chamar por ele, como em ocasiões oficiais, que adotei 'Emmy' e não falo a minha verdadeira "graça" pra ninguém, se não for imprescindível.
Já tentei me acostumar com ele, enfiar na minha cabeça q gosto, mas não consigo. Também já quis mudar definitivamente, assinar Emmy, mas dizem que é muito caro e complicado convencer um juiz p/ q autorize. Ainda mais na minha idade.
Quando penso que vou passar até o fim da minha vida me sentindo ridícula e envergonhada cada vez que alguém me chama por essa aberração... Você não imagina como é deprimente!!
Se souber se há alguma solução pro meu pro, por favor, heeeeelp!!
:P
Bjão!! Saudadona de você!

lis disse...

Que lindo a atitude das tribos africanas , fazer roda e cantar uma cançao para resgatar a auto estima e reabilitar do erro cometido. Tao bom se tivessemos o minimo desse amor pelo nosso povo,pelo nosso próximo, nossos vizinhos. Precisamos urgente de mais amor,pra que nao precisemos mais de resgatar crianças das maos de pedófilos e de outras barbaríes.
Nossos nomes realmente tem um som gostoso quando pronunciado pelas pessoas que amamos .Gosto do seu Ivete ,é delicado e acrescentado a Maria ficou lindo!
Boa semana, bom trabalho , abraços

Yvette Maria Moura. disse...

meninas,
apesar das dores de um nome incômodo e das barbáries que ainda assistimos na nossa sociedade, dita civilizada, eu devo confessar-lhes que me senti como se escutasse a canção da minha alma ao ler o comentário de vcs duas.
primeiro por que recebi a visita da Emmy depois de tanto tempo (prometo que vou pensar numa solução para o seu nome, viu?); e segundo pelo que disse Lis sobre a junção do Yvette com o Maria.
adorei!
bjos.
MM