sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Brava gente brasileira

(foto: Yvette Moura)

Não sei se durma ou se escreva a essa hora do dia, em que o cansaço me toma o corpo cobrando mais cuidado com o instrumento físico. Mas de uma coisa estou certa: a essa hora, em algum lugar, alguém espera ansioso por esta missiva e, para si, não tem a menor importância se era noite ou dia quando iniciei este escrito; se fazia frio ou calor; se estava triste ou feliz; se senti mal ou bem-estar durante a tessitura do texto. O fato é que eu preciso tanto escrever quanto aquele ler, portanto...

Tomo um gole de café para espantar as sombras do cansaço e me acomodo à mesa, buscando a leveza de novas ideias e a fluidez de pensamentos recém-nascidos. Busco a mim mesma, com coerência e poesia, e assim me recrio para vos oferecer o que tenho de melhor.

Mas há um não-sei-quê que incomoda e inquieta, pedindo para ser revelado. Há algo que reclama o respeito que lhe é devido e o direito de se expressar. Então, vou deixar as histórias pessoais para outra ocasião e vou me fazer porta-voz de um apelo coletivo: o grito de quem foi agredido no que tem de mais sagrado: a expressão da fé. Falo pelos ‘Seu’ Antônio, José, Alberto, e as ‘Dona’ Maria, Joaninha, Josefa: essa gente genuinamente brasileira, a quem devemos respeito e consideração.

Na semana passada, um terreiro de umbanda foi invadido pela Polícia Militar de Alagoas após uma denúncia anônima em defesa da “ordem”, e o atabaque do babalorixá que conduzia o culto de origem africana foi levado pelos militares, que só o devolveram alguns dias depois, após o pagamento de R$ 100,00. A casa em questão, vale ressaltar, não passa de um cubículo de dois cômodos, que funciona como templo religioso apenas uma vez por semana e tem autorização judicial para exercer as suas atividades ali, no populoso Jacintinho.

Ao contrário da versão dos policiais, a vizinhança não se declarou incomodada com o ritual afrobrasileiro de “Seu” Antônio, mas sim com a falta de policiamento e de segurança pública no local. Estranhamente, ao ser procurado pela Comissão de Minorias da OAB e por entidades umbandistas de Maceió, o secretário de Defesa Social do Estado, Paulo Rubim, se mostrou igualmente intolerante, abandonando a reunião antes do seu término sob a alegação de que tinha “muita coisa pra fazer e muito bandido pra prender” e ressaltando que as pessoas têm os seus direitos e que a lei deve ser cumprida sempre que isso for solicitado.

Com essa atitude infeliz, além de menosprezar a Constituição Brasileira – que dá a todos os filhos deste País o direito de expressar a sua fé como bem entenderem –, o secretário demonstrou sua total ignorância em relação aos elementos que compõem e tornam rica a nossa cultura.

Justo no ano em que se comemora a presença francesa no Brasil – como, em 2008, se festejou o centenário dos japoneses em nossas terras –, a sociedade assiste calada à truculência e à intolerância contra os descendentes daqueles que, de fato, construíram esta nação – com o suor de seus corpos e de suas lágrimas, no trabalho escravo e numa vida sub-humana.

Será que as comunidades alemãs do sul do País, das quais, provavelmente, o secretário descende, contribuíram mais com a formação do povo brasileiro do que os africanos, que para cá foram trazidos sob a ação do ferro e do chicote, engrossando, com os índios e europeus dos primeiros tempos, o sangue multirracial que corre em nossas veias?

O que essas entidades reclamam, hoje, não é mais do que o direito de cultivar a única coisa que não foi extirpada dos seus ancestrais: a sua fé religiosa. Portanto, o mínimo que o Estado deveria fazer por essa gente era exigir que os seus servidores, juntamente com os dirigentes das pastas, voltem às aulas de História do Brasil.

2 comentários:

Elô Baêta disse...

Brava gente brasileira e bravo texto!!! Qualquer um de nós tem o direito, inviolável, de concordar ou não com qualquer que seja a seita, a religião, a cultura ou os costumes de um povo ou sociedade, mas absolutamente isento de preconceito. A fé, a crença é um dos maiores direitos e dádivas de nós, humanos, inquestionável. Este texto não é uma forma de apoio ou de crítica a quem quer que seja, mas sim um entendimento claro de que o preconceito não deveria fazer parte dos sentimentos humanos em nenhuma circunstância, ainda mais em relação à fé. Por motivos editoriais, as páginas de O JORNAL e seus leitores se privaram de se deleitar com um escrito tão oportuno. Mas outros virão para o consolo dos seus fiéis seguidores!!!!!

Deus a abençoe sempre, minha amiga

Jade Neves disse...

Amo tu mamiiiis!