quinta-feira, 14 de julho de 2011

O LOBISOMEM E OUTRAS HISTÓRIAS DE GRAÇA


A distância, parece estar com raiva. O semblante duro, a boca arqueada, a mandíbula contraída e os olhos firmes dão a impressão de estar sempre armada, pronta para a briga.

Afora os sinais estampados na face, a voz também é dura e firme, direta demais às vezes, e mesmo quando fala com doçura, as suas palavras parecem esconder certo amargor...

Após alguma convivência, viajando juntas e compartilhando tarefas, no difícil, mas gratificante terreno do voluntariado, outra mulher se apresenta por trás daquela. Humilde, solidária e muito comprometida com tudo que abraça, a professora aposentada finalmente dá o ar de sua graça com uma postura bem mais feminina.

Ela sorri, conversa alegremente, participa do grupo e se permite a instantes de pura descontração, revelando-se uma excelente contadora de causos. Principalmente os seus...

É então que se percebe que ela nada mais é do que uma Maria, como tantas outras – das Graças, das Dores, dos Prazeres, das Neves, da Anunciação... – que lutam e sofrem cotidianamente para criar os seus filhos com dignidade.

De tudo que viveu, poderia escrever um livro, mas prefere continuar no anonimato, capacitando adultos de carne e osso, como ela, para levar aos pequeninos os conhecimentos dos céus, através da Evangelização.

Do livro de sua vida, o capítulo mais engraçado me parece ser aquele que conta a época em que viveu num sítio, nos arredores de Canhotinho – PE, e foi obrigada a enfrentar, sozinha, a criatura que andava “correndo bicho” pelas redondezas, amedrontando os seus três filhos.

- Mainha, a senhora tem que tomar uma atitude! Disse o do meio, assombrado com o lobisomem que passava quase todas as noites, próximo à janela do seu quarto, acompanhado de uma matilha.

Sem um homem que protegesse aquela família, a mãe pediu a um vizinho que lhe fizesse uma espingarda improvisada, com pregos, vidros e um montão de pequenos objetos cortantes como munição, e ficou tocaiando o bicho durante vinte e uma noites. A certa altura da última noite, ouviu a latumia dos cães e preparou a arma.

Quando viu o vulto, meio bicho meio homem, se aproximar, escondido embaixo de um capote escuro, não contou história: mirou os pés do infeliz e “tomou uma atitude”.

Passaram-se alguns dias do urro animal que rasgou a madrugada e nada mais se ouviu falar sobre as andanças do fedegoso pelas redondezas. A vizinhança agora só dava conta de um curioso caso de certo jovem solteiro que aparecera no posto de saúde da cidade, dias depois, com profundos cortes purulentos nos pés infeccionados, que mais pareciam duas bolas de fogo.

Além disso, falava-se de certa mulher casada, que, em seus queixumes, maldizia aos quatro ventos “esse povo que atira em lobisomem”.

Não preciso dizer que essas páginas terminaram por aí, pois, mesmo que nada tenha sido dito às claras, no fundo todos sabiam que ela fora a responsável por cortar “pela raiz” o mau hábito do bicho corredor, que só “ameaçava” as casas das mulheres casadas ou sozinhas.

Outros capítulos de sua história, com certeza, foram escritos, mas cada vez mais afinados com a trajetória daqueles que buscam crescer e evoluir no exercício do amor ao próximo.

@para Graça.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Yvette
Muita paz

Nós, meus filhos e eu adoramos a crónica. Foi um momento ímpar retomar os sentimentos
daqueles dias, nos primeiros anos da década de noventa. SEM PALAVRAS.
Obrigada.

Graça.