quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Arca do tempo

(foto: Jade Neves)


Com o tempo, as lembranças vão sendo arquivadas num cantinho qualquer da mente e os dias são moldados pelas novas situações da vida, que prossegue sem cessar.

Mas aquilo que experimentamos em conjunto, os momentos felizes que compartilhamos e tudo que dissemos nas horas mais descontraídas (da mesma forma as frustrações e os traumas imprimem as suas cicatrizes) vai perdurar ainda por um bom tempo; outras, até, irão marcar a nossa vida para sempre...

As peculiaridades de cada um com quem convivemos, num momento ou noutro da existência, seguirão conosco, contextualizando as lembranças e as saudades com que vamos compor a arca das nossas reminiscências.

Para lembrar as pessoas que povoaram a minha vida, arquivei cores, sabores, cheiros e sons. Também guardei palavras, lugares, melodias, momentos e pequenos gestos particulares, como o olhar revirado, para o canto e para o alto, de Nena – conterrânea que trabalhou em nossa casa quando as meninas eram pequenas.

Insegura, ao ser questionada sobre algo que não conhecia, a jovem de dezessete anos franzia a testa, revirava os olhos para o alto e repuxava a boca para o canto esquerdo do rosto, como a desenhar uma interrogação na própria face antes de responder.

Eu achava graça, mas também era tomada de compaixão pela angústia daquela menina, que, mesmo não dissesse uma palavra, denunciava as inseguranças que trazia no imo.

Do mesmo modo, construí caixinhas imaginárias para colocar cada coisa em seu devido lugar e cada pessoa em seu determinado grau de importância e significação...

Às vezes, é preciso fazer mudanças em nosso sistema de organização interna e, cautelosamente, transferir pessoas de uma caixinha para a outra. Num auto-exame, é preciso reavaliar se não estamos dando importância demasiada a uns e diminuta a outros.

Como uma faxina, é preciso ter coragem de “jogar fora” coisas que, muitas vezes, não nos servem mais ou, há muito, já deixaram de nos fazer bem.

No sentido inverso, cultivar o que é bom sempre é positivo, e abrir-se para o novo é uma maneira sábia de seguir adiante.

Receber Paola em nosso lar – como compartilhei, aqui, semanas atrás – foi uma excelente oportunidade de me reciclar interiormente.

Organizar a casa, abrir espaços na agenda e destravar o coração para acolher “uma ilustre desconhecida”, sem reservas nem cobranças, foi como me permitir ser descoberta de dentro para fora, sem medo da impressão que pudesse causar ou sentir.

Nos dias de hoje, em que andamos tão desconfiados uns dos outros, foi muito gratificante praticar a assertiva cristã que diz sermos membros de uma mesma família.

Ao despedir-se da gente, na madrugada da última quarta-feira, sentiu vontade de chorar (declarou mais tarde), e nós ficamos um pouco pela metade, catando pelos cantos da casa os pedaços que ela deixou de si.

Em silêncio, agradeci a Deus por tudo que vivemos em família naquelas duas semanas. Nas minhas lembranças mais saudosas, que surgem de assalto, ressoam as gargalhadas sonoras de Pao e a sua voz “anasalada” falando espanhol.

Apesar da pouca diferença de idade, recebi-a como a uma filha que retornava de distante viagem, após longos anos...


@para Paola, é lógico. como o cheirinho do mar...

3 comentários:

Paola disse...

Muito Obrigada por tanto amor!! Na verdade eu não sei como agradecer td o que vocês fizeram por mim, por ter um lugarzinho mais para mim em seus coraçãoes, por terme aceitado na sua familia , eu agradeço a Deus por terme puesto vcs em meu caminho, acho que estive com as pessoas mais legais e bondadosas do mundo! isso não se paga com nada, vcs são um exemplo de honestidade, amor e generosidade, e formaram parte de meu sonho, Brasil por muito sobrepasso minhas expectativas, sem dúvida alguma, da vontade de voltar a bater um papo como td essa gente linda!! Adoro vcs Yvette, Jade é Maya.. Até a proxima! fiquem com Deus, Bjos!!!

OBRIGADISSSSSSISISISISIMA!!!! *-*

Pao disse...

Esqueci dizer ... Adorei essa foto, tenho o ceu entre nas minhas mãos e o arcoiris nos meus pés :D " Con el cielo entre mis manos y el arcoiris bajo mis pies " assim td é en Maceió

Anônimo disse...

Yvette,

Acabei de ler no site a sua crônica "Arca do Tempo". só para dizer que adorei como sempre, essa em especial, pq algumas coisas que você fala no texto serve para o meu momento atual. e estou precisando mudar algumas pessoas de caixinhas!!!

Beijoooo da mala ;) e bom restinho de feriado!!!!

F.