quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Um novo ano...


(Maria Aurelina e os netos - Murici - AL. Foto: Yvette Moura)

O bebê num braço, a bolsa no outro, voltou para casa com lágrimas nos olhos, na tarde do último sábado, deixando as coisas que havia ganhado para a virada do ano. Seu réveillon seria simples e solitário, como na maioria das vezes. Mas nem tanto. Pois com quatro filhos pequenos já não podia se dizer sozinha.

Quando a reencontrei em meados de 2010, o caçula contava seis meses de idade e vinha com ela para o trabalho todos os dias (era empregada doméstica na casa de minha irmã). Passado um ano, ou pouco mais do que isso, encontro Silvinha “recém parida” novamente, só que desta vez, de uma menininha.

Apesar de não reclamar, a vida certamente se tornou mais difícil. O marido, que não é lá muito companheiro, viaja sazonalmente para o sudeste do país a fim de trabalhar na colheita da cana. Às vésperas de 2012, botou a mochila nas costas e rumou para a Bahia com o mesmo propósito.

Emprego também está difícil em São Benedito do Sul para quem não tem estudo. Ficou a promessa de mandar buscá-la, caso encontre uma oportunidade mais regular...

Questionada se acompanharia o marido mais uma vez, curvou a cabeça, abaixou os olhos e disse que sim. Pois aprendera que essa é a sina da mulher...

Em outra época, deixou familiares e a terra natal para encontrá-lo em São Paulo, mas isso não o impediu de arrumar outra e fazê-la passar humilhações e carências.  

Embora pareça infeliz, vejo um belo espírito sendo esculpido pelas dificuldades da existência, num olhar mais acurado.

Da mocinha que conheci há quase vinte anos, quando veio do interior pernambucano para me ajudar a cuidar das meninas, em meados da década de 90, pouca coisa se vê além do sorriso triste e o hábito de baixar a cabeça e os olhos quando fala, tímida e reservada.

Naquela época, eu a levei de volta em poucos meses por não suportar vê-la tão deslocada: acabrunhada e arisca, parecia um bichinho do mato, retirado do seu habitat natural para ser adestrado entre as quatro paredes de um apartamento.

Depois trabalhou vários anos em Recife e, lá, aprendeu muitas coisas, inclusive, a enfrentar os desafios.

Como diz a veneranda Joanna de Ângelis no excelente Otimismo, é uma utopia essa felicidade pintada pela maioria como um estado de ócio, ausência de preocupação e dever, além da abundância de coisas materiais. 

Isso é fruto de mentes fantasiosas, que estabelecem metas de gozos e prazeres imediatos por não conseguirem vislumbrar o que seja realmente um estado feliz.

Dona Aurelina, por exemplo, festejava o novo ano antes mesmo de virar a página do calendário. Quando a conheci – numa reportagem em Murici, um ano e meio após a enchente que desabrigou milhares de alagoanos [publicada dia primeiro, em O Jornal]–, jogava as mãos para o Alto e agradecia por, finalmente, poder passar um dia inteiro dentro de casa. 

“A gente parecia um monte de flagelado, comendo no chão, procurando sombra onde não tinha. Eu ficava tão agoniada que saia pra andar e me perdia”, lembrou, sem saudade, dos dezoito meses no acampamento.

A falta d’água, com promessas de ser reparada, nem incomoda tanto; com a sua casa ela está no Céu.

@para as Silvinhas e Aurelinas da vida, com muito respeito.

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