quarta-feira, 9 de julho de 2008

Breves considerações sobre o belo

Certamente, não se veria o esplendor do arco-íris sem um céu que se permitisse chorar e sorrir ao sol.

Disse Rubem Alves, em sua mais recente obra, que ostra feliz não produz pérola. Isso me fez lembrar do incomparável poeta lusitano Fernando Pessoa, que deixou transparecer em muitos escritos seus uma melancolia tamanha que parecia sentir-se incompatibilizado com as relações sociais e o mundo. Em seu Livro do Desassossego, chegou a declarar: “A solidão desola-me; a companhia oprime-me. [...] O isolamento talhou-me à sua imagem e semelhança”. Contudo, ninguém aguçou tanto o olhar quanto ele para compreender e decifrar o mundo e o outro, como a si mesmo, através da poesia.

Como o escritor mineiro, concluo que, de fato, inúmeras belezas advindas da natureza e da criatura humana não teriam o seu valor se não fossem produzidas em meio às adversidades. Talvez nem chegassem mesmo a existir se não nascessem acompanhadas, de alguma forma, pelos obstáculos.

A luz elétrica, por exemplo, não iluminaria, hoje, os nossos lares, se não fossem as noites insones do seu inventor, Thomas Edison. Provavelmente também, se não fosse filha de um general do Exército Imperial com uma humilde mulata – que lhe permitiram uma educação aristocrática e o contato freqüente com os ritmos típicos dos escravos – e não tivesse sofrido a proibição do marido para praticar aquilo que mais amava, Chiquinha Gonzaga não teria se tornado a primeira compositora popular do Brasil.

Teria Beethoven composto as suas mais expressivas peças musicais se não tivesse sido acometido pela surdez? E Vincent Van Gogh, em meio à pobreza e à loucura, teria reproduzido nas telas toda a beleza dos girassóis?

E irmã Dulce, Madre Tereza, Albert Schweitzer? Teriam feito tanto pelo próximo e pelo mundo se não tivessem sentido, nas profundezas da alma, a ressonância da dor e da miséria dos carentes da Bahia, dos famintos da Índia e dos doentes da África? Teria Chico Xavier iluminado tantas mentes, com os mais de quatrocentos títulos que psicografou, se não tivesse abraçado, com disciplina e dedicação, o compromisso da mediunidade?

Certamente, não se veria o esplendor do arco-íris sem um céu que se permitisse chorar e sorrir ao sol. Também de nada valeria a solidão da madrugada se não fosse a esperança do alvorecer, a intuição do dia...

Não faria o menor sentido a passagem dos anos e a mudança das estações se não fosse a madureza do homem com a chegada do outono físico e o colorido da primavera e o fulgor do verão, após o regelar dos lagos, o choro convulsivo das chuvas e a alvura da neve no inverno mais intenso.

Não faria o menor sentido a morte da carne para a ressurreição do Espírito, ante a promessa da eternidade, se não fosse a Lei de Reencarnação, promovendo o aprendizado e a evolução individual dos seres. Assim como a vida na Terra ou em outras dimensões do espaço e a disposição dos planetas nas funduras do Universo não teriam a menor coerência se não existisse um Ser Maior, coordenando tudo isso.

As chagas da humanidade, a opressão dos poderosos, o mal que ainda vige no Planeta são os desencadeadores do sonho de liberdade que nasce no coração daqueles que abandonam os seus projetos pessoais para ir à luta pela libertação das nações e consciências, como fizeram Gandhi e Martin Luther King.

O belo é pérola genuína, nascida nas asperezas do caminho. Mas nem toda expressão é arte, nem todo feito é grande. O que não promove o bem e que nada produz de bom não passa de um grunhido inteligível, ainda bem distante da orquestração divina. A criatura sábia não aspira às facilidades, que entorpecem a razão e adormecem os sentidos, mas aproveita as adversidades para transformar as suas dores em valorosas notas musicais na partitura do Criador.

2 comentários:

Anônimo disse...

Li o seu artigo na mídia eletrônica de "o jornal" e fiquei muito grato pela emoção proporcionada por ele. Obrigado pelo esforço de compartilhar sua alma conosco.

lenivaldo melo

Anônimo disse...

eu é que agradeço a gentileza das suas palavras, Lenivaldo.
é sempre muito bom saber que a nossa mensagem
encontrou guarida em algum coração sensível...
um grande abraço!