terça-feira, 23 de setembro de 2008

O espírito das flores

Uma a uma, vão desabrochando as flores – margaridas, pingos de leite, rosas, girassóis – sobre o verde monocromático que antes havia.

A expectativa era grande. Principalmente entre os mais novos, que não a conheciam a não ser pelas longas e floreadas histórias dos mais antigos, que já tiveram o enorme prazer de recebê-la incontáveis vezes na vida – a cada uma, trazendo novidades e acumulando causos para serem compartilhados, mais tarde, com os que viriam à retaguarda.

A sua chegada é sempre envolta em clima de ansiedade e extensos preparativos. Não que detestem aquela que lhe antecede a estada, que é mais reservada e um tanto chorosa também, mas porque esta é sempre mais risonha e calorosa do que aquela que se despede. Sua alegria é ingênua e pura, como a de uma criança, pois, apesar de crescida, ela nunca deixou se perderem os traços da infância.

Ao contrário da outra, sempre tão saudosa e recolhida nas lembranças de um passado longínquo, esta costuma chorar de alegria e de tanto achar graça na vida, rodeada pelas crianças, que brincam e cantam de mãos dadas em volta dela, e abraçada pelos mais idosos em longos passeios matinais, em que falam de esperança e de dias primaveris.

- Ela está chegando! Ela está chegando! A nossa prima está chegando! – gritavam os pequenos animados, correndo de um lado para o outro, ansiosos por vê-la e poder usufruir dessa temporada em sua companhia.

Os mais velhos sorriem satisfeitos com tamanha euforia. Afinal, também já viveram essa época e sabem que ela é mesmo assim. Seus corações, hoje um pouco mais cansados, parecem florescer de novo, como um extenso campo ao sol. Uma a uma, vão desabrochando as flores – margaridas, pingos de leite, rosas, girassóis – sobre o verde monocromático que antes havia. Tudo parece ir se renovando aos poucos, ganhando novos ares, ficando mais bonito e feliz. O dia, se igualando à noite em sua duração até sair vencedor dessa lúdica queda-de-braço, que permite ao sol estender-se por mais tempo sobre a Terra, aquecendo assim a temperatura enregelada de seus corações...

De fato, todos são contagiados pela doce expectativa da chegada da prima. Os céus oscilam entre a lágrima e o sorriso, a chuva e o sol; os mares trocam suas águas frias por outras “más calientes”; e os ventos vão e voltam, indecisos, como se, ao mesmo tempo em que intentam cumprir o dever de ir assoprar por outros campos, guardem o desejo secreto de bafejar por aqui ainda mais um pouco, na ânsia de ganharem, quem sabe, um beijo molhado ou ainda um abraço apertado da prima querida...

Raios, ventos fortes, quedas de granizo, toda a natureza se altera, alternando massas de ar quente e frio por todo o país, como se sofresse coletivamente de uma espécie de tensão prévia, um desejo tolo de apressar o tempo ou, quem dera, esticá-lo um pouco mais durante a estada da prima Vera.

Ana, Cláudia, Júlia, Morgana, Lucinha, Tereza, Clara, Simon – sem lhes diminuir a importância –, nenhuma se compara à esperada prima, que aporta entre nós, nessa manhã de céu claro, para passar uma breve temporada de quase três meses. Em sua companhia, as nossas tardes serão mais quentes, embora nos banhe, às vezes, uma chuva fina, à tardinha, refrescando a noite e nos proporcionando um agradável repouso sob o sopro frio do acalanto noturno.

Feliz daqueles que, a exemplo de Guiomar e Elis (que abrem a temporada), Rodrigo (o menino-presente), Bia (a pernambucaninha), minha menina Maya (despertando para o mundo dos adultos), Alberto (que afina a alma com mantras indianos), João (o inspirador das palavras de Maria) e Lua (vivendo nova fase) têm o privilégio de gritar aos quatro ventos que vieram ao mundo, como diz Cecília, sob os finos clarins que não ouvimos soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, onde arautos sutis devem acordar as cores e os perfumes e a alegria de nascer no espírito das flores para o doce reinado da primavera.

4 comentários:

Anônimo disse...

Minha linda!


Como sempre suas historias nos deixam com com saudades de dias felizes, que ficam guardadas em nossas memorias.

Um grande beijo,
sua irmã, Simon

Anônimo disse...

Quando fiz uma breve leitura desse texto, devido à correria para o fechamento da edição do dia, logo percebi no título, em cada palavra, frase e parágrafo o cheiro das rosas, a mais profunda poesia, de uma autora com uma visível veia poética e sensibilidade. Confesso que fiquei com um gostinho de "quero mais" e parei para reler, pois uma leitura desse nível não poderia ser feita uma única vez e rapidamente. Algo singelo sobre a primavera (estação das flores), com cheiro de rosas, de sonhos, de ideais, de vida... E o melhor: a autora é uma amiga que adoro de montão.

Anônimo disse...

Poesia que refrigera a alma e faz pensar que, assim como a primavera,a vida renasce sempre que tivermos esperança e deixarmos que as cores e o perfume das flores invadam nossa vida.
Bjos

Yvette Maria Moura. disse...

há pessoas que carregam flores na alma...
tão gostoso quanto escrever esses textos poéticos, que me dão alegria de viver, é receber os recadinhos carinhosos de pessoas tão queridas como vocês três, que fazem a minha vida parecer uma eterna primavera.
obrigada por tanto carinho, meninas!