terça-feira, 25 de maio de 2010

Reformando a casa

Exilada momentaneamente nos aposentos de Jade, enquanto o pintor faz o seu trabalho nas paredes da sala e no teto do banheiro, aproveito para liberar a minha mente a fim de que novas idéias insurjam e ocupem a página em branco do computador.

Sob o impulso das mãos ágeis do profissional, a lixa atrita veementemente a massa aplicada na superfície a ser pintada, liberando um pó fino que rapidamente se espalha por toda a casa. O que não foi protegido vai ficando pardo, empoeirado, como se tivesse sido coberto por fina camada de talco.

Agitada, Pepa circula pelos quatro cantos do nosso pequeno lar, fuçando aqui e ali, e soltando o seu latido agudo a cada movimento brusco do visitante. O corpinho preto da caçula vai sendo pintado nessa brincadeira, fazendo-a parecer bem mais velha do que na verdade é. Mas a curiosidade excessiva da cadela denuncia a sua meninice...

Alérgica desde pequena, saí me esgueirando pelos cômodos antes que começassem os espirros e a coceira nos olhos. Procurava um espaço no qual a poeira não me atingisse diretamente quando me aboletei de mala e cuia na bancada da filha e comecei a trabalhar. Aqui, além de protegida da substância alergênica, eu tive a grata alegria de encontrar a brisa, que logo veio brincar comigo e me acariciar a nuca sem maiores pudores.

Faz tanto tempo que eu não divago livremente como agora que parece até sem propósito, como se devesse abordar tema mais sério do que a minha intimidade. Mas isso “desengessa” a mente, sabia? E liberta o coração de culpas e medos. Nos últimos anos, a vida corrida e os compromissos assumidos têm me exigido urgência e praticidade. Já não tenho a mesma disponibilidade de antes, quando escrever livremente era uma atividade tão necessária quanto habitual. Papel e lápis sempre em mãos, poetizava tudo e em tudo lia uma mensagem subliminar.

Na verdade, continuo enxergando em tudo a poesia da Vida, mas pouquíssimas são as vezes em que transcrevo o que vejo imediatamente para o papel. Guardo essas impressões como alimentos da alma, que, uma vez digeridos, transformam-se em poderosos nutrientes para os que vêm à retaguarda. No momento oportuno, eles são transmitidos aos que buscam uma palavra amiga sob forma de consolo e orientação.

O exílio forçado desta tarde me trouxe a oportunidade de convidar os meus ilustres leitores, caríssimos amigos ocultos, a passearem comigo, como outrora, pelo universo da minha intimidade. Como a pequena reforma porque passa a minha casa hoje (por conta de uma infiltração no teto da sala), eu também me sinto de certa maneira sendo reformada.

O cheiro da tinta, a poeira que cobre os móveis, o barulho da lixa atritando a massa endurecida, são elementos análogos à brisa que me acaricia a pele nessa tarde de outono, o descobrimento de outros espaços no ambiente doméstico e a algazarra das crianças na escola ao lado – que chega como música aos meus ouvidos lembrando a volatilidade da existência terrena.

O vaivém de Pepa, os sons produzidos pelo pintor e a conversa informal com o seu ajudante reafirmam o movimento constante da vida. Chegadas e partidas, sorrisos e lágrimas, encontros e despedidas, tudo faz parte dessa dinâmica em que todos estamos inseridos, como uma grande orquestra, que utiliza diversos instrumentos para interpretar uma bela sinfonia.

Daqui a pouco, apenas o brilho da tinta revelará as paredes pintadas aqui, assim como o novo gás injetado em minh’alma dará notícia do exercício de agora. Mas como a parede, que teve que ser lixada várias vezes para ostentar novo brilho, também eu precisei mergulhar em mim mesma para me sentir renovada. Assim como o “começar de novo” proposto por cada alvorecer exige um pequeno esforço de cada um de nós no sentido de reafirmar, diariamente, a alegria de viver...

Um comentário:

Anônimo disse...

Reforma casa, quem pode né? Entonces, deixe de se queixar. Quem poderia estar reclamando, por ter o espaço invadido, era a Jade. Mas, ao que parece, ela está na dela. Você deixe de besteira, e vá guardando suas energias para depois da pintura, colocar a casa em ordem, limpar tudo, tirar a poeira...
rsrsrs... Ei... só para zoar, visse?

Bjoks,

S.