terça-feira, 9 de novembro de 2010

O caos no trânsito, outras necessidades e o velho hábito de divagar

Sonolento, recostara o corpo no espaldar da cadeira e estendera os pés por debaixo da catraca desleixadamente. Com o braço direito sobre as barras de apoio, o homem parecia tão cansado que nem se dava conta de estar sendo observado. Entre uma parada e outra, fechava os olhos e deixava pender a cabeça para o lado e para frente com o sacolejo do coletivo.

Quando o ônibus parava no ponto, e o freio soltava o seu grito metálico, esticava a sobrancelha pesadamente e passeava a vista pelo corredor – à meia pálpebra –, como a certificar-se de que ninguém percebera as suas “ausências”.

Mais atrás, naquele mesmo lado, eu estava quase fora do seu campo de visão, e, por isso, não cheguei a ser flagrada no meu estudo-matinal-do-comportamento-humano. Quase vazio, àquela hora, os passageiros seguiam indiferentes, enquanto o cobrador cochilava em sua cadeira alcochoada e eu soltava as rédeas da imaginação...

Fazia tempo que não andava de ônibus, mas algumas necessidades mais imediatas fizeram com que optasse pelo transporte coletivo para ir trabalhar todos os dias.
Como já havia mencionado aqui, há algumas semanas, eu tinha duas alternativas para fugir ao estresse constante em que se transformou o trânsito de Maceió: uma era retirar da garagem a bicicleta, dar um bom banho de óleo nela e me aventurar rumo ao litoral norte todas as manhãs; a outra, obviamente, era pegar um ônibus.

Mas, embora gostasse mais da primeira, logo fui desencorajada pelos amigos. A falta de ciclovia e acostamento em diversos trechos do meu percurso – além do desrespeito de alguns motoristas, que trafegam em alta velocidade e fazem manobras arriscadas, indiferentes aos que conduzem as suas magrelas pelas vias esburacadas de Maceió – me fizeram desistir da idéia inicial. Optei pela segunda alternativa e, confesso, não me arrependi.

Têm sido muito ricos esses instantes em que me dirijo ou volto do trabalho dentro do coletivo. Penso que, nos próximos dias, muitas personagens interessantes irão surgir dessas minhas idas e vindas em coletividade. Pessoas “estranhas” – cada uma com a sua bagagem de experiências – são um prato cheio para quem gosta de contar histórias sobre a criatura humana, em verso e em prosa, como eu.

Tenho observado nesses dias, por exemplo, o quanto as pessoas andam assustadas com a falta de segurança pública. Basta nos aproximarmos de uma pequena aglomeração de pessoas, comum nos pontos de ônibus, para perceber o receio que se tem, hoje em dia, de permanecer ao lado de um desconhecido. Olham para trás, seguram a bolsa mais firmemente, e viram de lado ao serem surpreendidos por olhos alheios. Só sossegam mesmo quando se dão conta de que o outro está tão trancado e assustado quanto eles.

Eu sinto falta de um “bom dia!”. Hoje mesmo, senti forte impulso de sorrir para uma senhora que voltava da caminhada. Mas, receosa de uma reação negativa, apenas arqueei levemente o lábio para o lado e ensaiei um meio cumprimento...

Quando lancei os olhos à pasta que a mulher trazia nos braços, outro dia, no ônibus, e perguntei se queria que eu a segurasse, a moça hesitou um pouco antes de aceitar. Lembrei-me da adolescência, imediatamente, quando me dirigia a todos os lugares de ônibus ou a pé, na maior tranquilidade, em Recife.

O que está acontecendo com a criatura humana? Por que estamos nos automatizando? Onde as gentilezas, os pequenos gestos de respeito, que cediam lugar às gestantes e aos idosos dentro dos coletivos?

Como a atitude nobre de uma amiga muito querida, que, encontrando a mesma senhora, que enjoava com o balanço do ônibus no trajeto do trabalho, durante algum tempo, permanecia ao seu lado, em solidariedade, mesmo após o vômito; apenas para não tornar pior o seu constrangimento...

Quanto a mim, o coletivo, com certeza, está me fazendo resgatar deliciosos hábitos esquecidos. E isso é muito bom.

2 comentários:

Anônimo disse...

Moka querida,

Uma bela crônica essas idas ao trabalho de ônibus já renderam... Às vezes quando estou no trânsito surpreendo-me com um pensamento recorrente: fico tentando lembrar há quanto tempo não ando de ônibus em Maceió e vêm à mente acontecimentos que nunca esqueci, coisas que se passaram quando eu ia diariamente de ônibus para o colégio. É, de fato, (o coletivo) um universo riquíssimo para se observar pessoas - os tipos mais variados, como reagem diante de tantas situações...
Você me inspirou!! Qualquer dia vou escrecer sobre as minhas idas para a Ufal no "Ostaco"/Ponta Verde.

Beijos. Saudades,

S.

Anônimo disse...

Ah!! Esqueci: sobre ir de magrela, que os amigos desaconselharam por conta do trânsito violento, eu acrescentaria: os "assaltosos" violentos também seriam um risco. O percurso é longo, mesmo de dia passa por uns lugares esquisitos. Infelizmente, não temos mais segurança para fazer muitas coisas prazeirosas. Uma pena.

S.